Quarta-feira, 14 de setembro de 2011.
O despertador tocou e eu achei que era mentira: “Pô! Acabei
de deitar!” Fiquei enrolando, mas Josi me deu um esporro e não teve jeito, tive
que levantar. Como bem diz meu tio Ignácio: não existe coisa pior que tomar
esporro em jejum. Percebi que ainda estava meio bêbo, mas logo a excitação pela
viagem tomou o lugar do torpor hipno-alcoólico. Arrumamos a catraieira toda,
entramos no Gaspa, ligamos o GPS comprado na véspera (chamado pelos italianos
de Tom-Tom, por causa da marca), rezamos para que ele não nos colocasse em
enrascada, e às 04:30 pegamos a estrada rumo à Áustria.
Seguindo religiosamente as orientações do Tom-Tom,
seguíamos a 40 km/h nas ruas pouco movimentadas na madrugada italiana. Pouco
movimentada significa que havia movimento. Pequeno, mas havia. Logo se formou
uma fila de carros atrás do Gaspa, buzinando e piscando os faróis, muitas vezes
nos ultrapassando em lugares proibidos. E quando faziam isso passavam xingando.
Vão se fuder, seus italianos de merda! Por mim vocês poderiam fazer tanto barulho
quanto os hebreus sitiando Jericó, que ainda assim eu me manteria fiel às
orientações do GPS. Multa, agora, só as inevitáveis. E assim seguimos puxando a
procissão, até chegarmos ao pedágio para entrar na auto-estrada.
(Abro este parêntesis para descrever um perrengue pelo qual
passamos na nossa viagem à Pádua e Verona, dois dias antes, e que eu me esqueci
de contar no capítulo correto. Naquele dia, antes de sairmos, Junior me
explicou os esquemas de pedágio de lá. Pode até ser que em outros lugares do
Brasil a coisa funcione do mesmo jeito, mas pra mim era novidade. Era mais ou
menos assim: pra entrar na auto-estrada você passa por uma praça de pedágio
onde, numa das guaritas, geralmente automática, você aperta um botão e a
máquina cospe um cartão com a informação do local por onde você entrou na
auto-estrada. Daí você poca no mundo, e quando for sair da auto-estrada vai
passar por outra guarita onde terá que enfiar o cartão na máquina, que
calculará quantos quilômetros você rodou em auto-estradas até ali. O valor
correspondente aparece num visor, e aí você paga chuchando as notas e moedas na
máquina. Se tiver troco a máquina cospe o valor. Às vezes, nas guaritas de
saída, tem gente ao invés de máquinas, daí a coisa fica mais simples. De todo
jeito, a coisa é bem fácil! Bom, como já foi narrado no capítulo IV, durante a
ida para Pádua, e de lá para Verona, não passamos por auto-estradas porque o
GPS estava programado para evitar pedágios. Na volta descobrimos isso e
retiramos esse comando. Eis que se aproximava a praça de pedágio de entrada, e
eu todo pimpão, senhor da situação, embiquei o carro com total tranqüilidade
para uma das guaritas. Apertei o único botão que havia, e nada. Apertei de
novo. Nada. Apertei novamente. Neca. Apertei umas cinqüenta vezes seguidas,
quase esmurrando o botão, até que a voz metálica de uma mulezinha falou comigo
pelo interfone. É desnecessário dizer que não entendi porra nenhuma do que ela
disse, né?! Ficamos ali um bom tempo, eu falando aleatoriamente palavras
desconexas em italiano e inglês, e a voz da mulezinha resmungando pelo
interfone. Aposto que estava me xingando, a vaca. Sei que no meio dos
impropérios em italiano julguei perceber algo como telepass. Numa fração de segundos eu entendi toda a situação: “Êh,
caralho! Fudeu!” Sim, perspicaz leitor, eu havia feito uma bela de uma cagada:
ao invés de me dirigir para uma guarita manual, onde aperta-se o botão, pega-se
o ticket e a cancela abre, eu fui numa guarita em que a cancela abre
automaticamente para os carros que, através de pagamento prévio, possuem um
dispositivo que emite um sinal. Ahn? Como? Sei lá que sinal, leitor
preciosista! Deve ser de fumaça. Lógico que eu não possuía tal dispositivo. Até
pensei em queimar uns papéis pra fazer uma fumacinha, mas não tinha fósforos.
Larguei a mulé falando sozinha e, mais que depressa, engatei a ré do carro e
olhei pelo retrovisor. É lógico que nesse tempo todo já havia uma fila de
carros atrás de mim na guarita, me xingando também, aposto. Na verdade eram
dois carros. E agora, como sair dali? Pra frente eu não ia por conta da miséria
da cancela, pra trás os carros me barravam o caminho. Já estava a ponto de
descer do carro e ir tentar conversar com os camaradas dos carros. Foi quando o
carro que estava imediatamente atrás do Gaspa deu ré e se encaminhou para uma
guarita de cobrança manual. Hahahahahahahahahahahaha! O burrão fez a mesma
cagada que eu. Que idiota! Me aproveitei da asnice do cara e consegui tirar o
carro dali e colocar na guarita certa. Ufa! Que cagaço!)
Mas então, onde eu estava mesmo? Onde? Na praça de pedágio
indo para a Áustria? Obrigado pela lembrança, atencioso leitor. Bom, dessa vez,
já escolados, ficamos de olho nas plaquinhas que indicavam as guaritas manuais.
Na verdade eram placonas, e não tinha erro: desenhos de cédulas e moedas.
Passamos pelo pedágio e entramos na auto-estrada que ia para o leste até Udine,
quase na fronteira com a Eslovênia. Que beleza! Passei dos 40 para 130 km/h. E
como era madrugada, havia pouco movimento. Aí, num certo momento, o Tom-Tom
indicou que era pra pegarmos uma saída. Pegamos. Daí indicou a saída da saída.
Mas cadê a tal saída da saída??? Não tinha nada. O jeito foi continuar reto.
Fizemos isso, e aí o bicho endoidou: acho que rodamos uns 30 quilômetros sem
que o raio do GPS reconhecesse a via. Segundo ele, nós andávamos no meio do
nada. Lógico que bateu o desespero. “Putaqueopariu! Não completamos nem os
primeiros 100 quilômetros da viagem e já estamos perdidos. E de madrugada!!!”
Tentei manter a serenidade para que Josi não morresse do coração. “Pô, essa
estrada vai sair em algum lugar, e em algum momento esse miserável desse GPS
tem que se encontrar.” Percebi que, no visor do GPS, havia sempre o desenho de
uma estrada paralela ao “nada” pelo qual passávamos, apesar de que olhávamos
para os lados e não víamos estrada nenhuma. Fiquei mais tranqüilo, pois devia
ser um erro de coordenadas do GPS. A estrada em que realmente estávamos era
paralela ao “nada” do GPS. Em um dado momento ele se encontrou e, para sorte
nossa, estávamos no caminho certo. Ufa!
Quando chegamos nos arredores de Udine ainda estava escuro.
Pegamos a auto-estrada que nos levaria para o norte, para Salzburgo, na
Áustria. Começamos a notar formas escuras no horizonte, e quando o dia começou
a clarear pudemos perceber que estávamos bem perto dos contrafortes dos Alpes.
Muito foda! Pena que o dia amanheceu nublado, o que não favorecia a
visibilidade. Ainda assim a paisagem que se descortinava prometia. Começamos a
furar as montanhas através dos túneis. E tome túnel, túnel pra caralho, um
emendado no cu do outro, e gigantes. Quando o dia clareou de verdade a
nebulosidade diminuiu e nós pudemos ver que estávamos cercados por montanhas. Na
primeira vez em que fomos para a Itália, em dezembro de 2009, fizemos escala em
Amsterdã, e de lá pegamos um avião para Veneza. Neste trecho havia um colchão
de nuvens gigantesco e espesso, que nos impedia de ver qualquer pedaço de
terra. Me lembro bem quando notei uns pontos brancos que despontavam acima do
nível desse colchão. Eram os picos nevados das montanhas alpinas. Dali a pouco
havia uma infinidade desses picos, que conseguiam furar as nuvens. Foi uma das
cenas mais bonitas e marcantes dessa primeira viagem. Agora cruzávamos
novamente os Alpes, só que por baixo, muitas vezes cortando suas entranhas. E a
cena não era menos deslumbrante.
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Sobre os Alpes, em dezembro de 2009 |
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Entre os Alpes, em setembro de 2011 |
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Nas entranhas dos Alpes, em setembro de 2011 |
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Em algum lugar perto da fronteira ítalo-austríaca |
Por essa mudança drástica na paisagem eu fazia idéia de que
estávamos próximos da fronteira com a Áustria. Falei sobre isso com Josi, e
ficamos na expectativa. Afinal, a Itália era praticamente a nossa casa, onde o
povo falava uma língua que, aos trancos, conseguíamos compreender, e onde
nossos queridos parentes moravam. Já a Áustria era o novo, o desconhecido, o
incompreensível. Como disse, ficamos na expectativa de passarmos pela
fronteira, de avistarmos um posto de guarda com as bandeirinhas da Itália e da
Áustria, com letreiros dizendo “Grazie
per la visita! Torna sempre!”, e “Willkommen
in Österreich!”, e coisas do tipo. Do nada, vejo uma plaquinha minúscula na
beira da estrada, com a bandeira da União Européia desenhada e a inscrição Österreich embaixo, em letras quase
invisíveis, de tão pequenas.
– Josi, acho que entramos na Áustria.
– !?
– Sério. Acho que vi uma plaquetinha onde estava escrito Österreich.
– !?
– Que merda!
Pois é, decepcionado leitor, nós também nos decepcionamos.
Esperávamos algo com pompa e circunstância, que fosse sendo anunciado ao longo
da estrada, até culminar com uma linha preta e amarela no chão, que indicasse A
FRONTEIRA. Mas tudo que tivemos foi uma porcaria de uma plaquinha chinfrim que
nem deu tempo de fotografar. Bela merda! Mas... estávamos na Áustria! E logo
tivemos que passar pelo primeiro posto de pedágio austríaco. Achava que ia ser
simples, automático, mas fiquei com o cu na mão quando vi que era operado por
uma pessoa. “Esse chucrute vai dizer o valor em alemão, e eu não vou entender
patavina...”. Para meu alívio o camarada só disse “bom dia”, ou algo parecido,
e o valor do pedágio aparecia num visor eletrônico: 10 €. Vale ressaltar que
esse foi o único valor que paguei para andar nas auto-estradas da Áustria, da
Alemanha e da Suíça. Na Itália, de cinco em cinco quilômetros tem um posto de
pedágio para te extorquir. Fiadaputas!
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Na estrada para Salzburgo |
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Lugarzinho meia-boca, né!? |
Até que chegamos em Werfen, uma cidadezinha minúscula a uns
40 quilômetros de Salzburgo. Hum? O quê, inquieto leitor? O que nós fomos fazer
lá? Já explico: visitar as Eisriesenwelt.
Ahn? Você não sabe o que é isso? Que leitorzinho de merda você é, hein!? Mas eu
sou paciente e condescendente, então explico: as Eisriesenwelt são o maior complexo de cavernas de gelo do mundo. O
que é uma caverna de gelo? Putz! Você já está de sacanagem... Se quiser saber
mais sobre o assunto clique aqui. E é bom clicar mesmo, para ver as fotos,
porque é proibido fotografar dentro da caverna. Mas não nos apressemos...
Estávamos em Werfen e procurávamos o caminho que nos levaria até as Eisriesenwelt. De lá de baixo, na
cidade, já avistávamos o imponente castelo de Hohenwerfen, que fica no alto de uma montanha. Não me faça
perguntas sobre este castelo, compreensivo leitor, pois ele não foi objeto de
nossa visita. Nós só tomamos conhecimento porque ele estava no nosso caminho. E
por falar em caminho, fomos seguindo as plaquinhas que indicavam as Eisriesenwelt. E bora subir! E sobe,
sobe, sobe, sobe, sobe... Pqp, nunca mais termina de subir não?! E sobe, sobe,
sobe, sobe, sobe, num zigue-e-zague do caráio... Houve um momento em que eu
pensei que o Gasparzinho fosse arregar, de tão íngreme que era a bagaça, mas
ele só peidou, sem entregar a rapadura. E toma-lhe mais subida... À medida que
íamos subindo, a temperatura ia baixando e a cidade ia ficando menorzinha,
perdida no meio do vale do rio Salzach, entre as montanhas. Daí a pouco vimos
novamente o castelo. Caraca! Ele estava
láááááááááááá embaixo. Muito louco!
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O Hohenwerfen visto de Werfen |
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O Hohenwerfen |
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O Hohenwerfen visto da estradinha que leva às Eisriesenwelt |
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Vistazinha besta |
Uns quinhentos quilômetros morro acima depois, chegamos à
portaria do parque às 09:30. A bagaça só abriria às 10, então não havia ninguém
lá, fora um velho e duas velhas, ele italiano e muito simpático. Aproveitamos
para tirar umas fotos da paisagem. Não sei se já disse: ela era deslumbrante!
Depois fomos obrigados a colocar calças extras e jaquetas, pois fazia uma
friaca da porra, apesar de ser fim de verão. Quando a portaria abriu já havia
uma leva de gente esperando, inclusive um bando de estudantes adolescentes que
berravam como gralhas histéricas. Rezando para que a molecada não fosse no
mesmo grupo que nós, comprei os ingressos para as cavernas, com a subida até
elas por um teleférico (19 € cada). Aí o sedentário leitor dirá: “Ah! Assim,
com teleférico, é fácil, até eu.” Ao que eu respondo: Bicho, cala a boca, que
você não sabe de merda nenhuma! O teleférico fazia uma parte da subida. Uma boa
parte, é verdade, mas não toda. E nós iniciamos então nosso calvário sem
cruz...
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Bilhetes na mão |
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Na portaria do parque |
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A montanha onde fica a caverna (não é aquele buraco no meio) |
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A casinhola superior do teleférico |
Nos primeiros metros a gente já percebeu que a coisa ia ser
puxada. Subíamos por uma estradinha de terra (mais pedra que terra), muito
bonita, com vistas panorâmicas foderásticas, mas íngreme pra caralho. Conselho
que dou ao leitor aventureiro interessado em fazer este passeio algum dia: leve
água. Não apenas uma mísera garrafinha de 300 mL. No mínimo meio litro per capta. Vai por mim, é incômodo, mas
vale a pena. Num determinado ponto havia uma placa indicando duas alternativas
de caminho: um panorâmico, contornando a montanha em zigue-e-zagues
intermináveis, e o outro por dentro de um túnel na pedra, cortando reto
montanha acima. Olhei pra Josi e nem precisamos falar nada: entramos no túnel.
Eu já disse que estava fazendo um frio do cão, né? Pois é, mas com o esforço da
subida fomos obrigados a tirar as jaquetas, pois suávamos em bicas (daí a
importância da água). Vazamos o túnel e, oh! surpresa: mais subida. Até que
chegamos na casinha do teleférico.
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Cortando caminho por dentro da pedra |
Cara, na boa, a idéia de ficar pendurado por um cabo numa
caixa de vidro a 10 metros do chão já não me agrada. Imagina ficar pendurado
assim a uma altura abissal. Imaginou? Então, essa era a situação. Não sei onde
foi que eu li, mas me lembro de alguma coisa que dizia que este era o
teleférico mais inclinado da Europa. Se é mesmo isso eu não sei, mas a
impressão que dá é de quase verticalidade, pqp! Mas era isso ou subir a pé, e
lá fomos nós. Quando o troço começa a se movimentar o coração sofre o primeiro sobressalto,
mas agüenta. Os olhares de todos se alternavam entre a vista maravilhosa da
paisagem e as expressões de apreensão estampadas nos rostos de cada um. Mas a
subida segue sem sobresslatos, e com o tempo a gente se acostuma, e o esfíncter
anal vai até relaxando, voltando à posição de conforto. É aí, neste momento de
relaxamento, que se anuncia o armageddon!!!
Mais ou menos no meio do caminho há um ressalto, uma mudança no ângulo de
inclinação dos cabos, que faz com que a cabine dê uma sacolejada considerável.
Eu juro que nunca escutei as palavras “Deus” e “Jesus” sendo pronunciadas ao
mesmo tempo e em tantos idiomas diferentes como naquele momento. Josi era só
“minha Nossa Senhora!”. Eu tive a nítida impressão de ter me cagado todo, sorte
que foi só impressão. As pessoas se olhavam, e riam. Mas riam um riso nervoso,
desvairado. Uma mulher ao nosso lado crispou as mãos no corrimão da cabine e
ficou o tempo todo dizendo ”Oh! my God!”
“Oh! my...” “Jesus Christ!” “Oh! God!” E nessa medunça dos infernos chegamos
à casinha superior do teleférico. GRAÇAS A DEUS!!!
Mas se engana quem acha que nossas agruras terminaram ali.
Ainda havia mais trocentos quilômetros de subida até a boca da caverna. Nos
arrastamos pra lá ao longo de um caminhozinho escavado na pedra. Bicho, não tem
coisa mais irritante que você, no auge dos seus 32 anos de muita cerveja e
churrasco, e com o físico que estas coisas proporcionam, ser ultrapassado por
velhotes lépidos, fagueiros E FUMANTES!!! Sim, porque na Europa todo mundo
fuma, TODO MUNDO, dos embriões às múmias. Putaqueopariu! Esses cornos devem
ficar preservados em formol, é só saem dele para humilhar pobres turistas
sedentários. Você vê na cara deles que eles têm mais de mil e quinhentos anos,
cada um, e, no entanto, vão subindo a montanha e conversando tranquilamente
como se caminhassem à beira da praia num fim de tarde. Cornos!!! Aposto que
estavam dopados. Devem ter saído de alguma rave,
com o cu cheio de anfetamina, e vindo direto subir a montanha. Tanto é que em
certo ponto ultrapassamos um grupo que rodeava uma velha que estava meio que
passando mal. Passei por ela rindo, pensando “Ahn! Tomou, papuda!?”. Essa vai
pensar duas vezes antes de encher o rabo de droga e se meter a subir montanha
chapada, muahahahahahahahaha!
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Caminho até a caverna |
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A boca da negoça. Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate. |
Finalmente chegamos na boca da caverna. Nós dois e mais a
velharada e a molecada. Não se passaram nem dois minutos desde que estávamos
ali parados, e o suor começou a gelar no corpo. E toca vestirmos todos os
agasalhos de novo... Daí a pouco apareceram os guias. Nós, espertamente, nos
posicionamos onde a fila para entrar na caverna teria início. “Ha ha ha!
Seremos os primeiros.” Claro que não fomos os primeiros. O guia que entraria
com o primeiro grupo fez com que o grupo de estudantes passasse à nossa frente.
“Ok, eu nem queria entrar com aquele bando de pirralhos mesmo”. Aí o guia
começou a falar em alemão com a pirralhada, e distribuiu para alguns uma
lamparina, pois dentro da caverna não há iluminação além dessas lamparinas e de
um pavio de alguma coisa de magnésio, que o guia acende em determinados pontos.
Após essa primeira explanação a galera se encaminha para a porta da caverna.
Sim, minucioso leitor, a caverna tem porta, e por um motivo que viemos a
descobrir no momento imediato em que o guia abriu-a: parecia que haviam aberto
o odre que continha todos os ventos do mundo! Dentro da caverna,
independentemente da época do ano, a temperatura é constante em 0 °C, e a
diferença de temperatura entre a parte interna e a externa causa o deslocamento
de ar. Mas, note bem, prezado leitor, não é uma brisazinha qualquer. É uma
ventania do caralho! E gelada. Não sei como as chamas das lamparinas se
mantiveram acesas. A pirralhada arrumou uma gritaria infernal nessa hora, e eu
agradeci mais uma vez a Deus por não terem nos deixado entrar com eles. A porta
se fechou atrás dos sacizinhos, e um outro guia chamou o grupo seguinte.
Estávamos nós na frente novamente, e novamente nos fizeram esperar a próxima
vez, dizendo que o grupo já estava fechado, e não sei o que... Comecei a me
embucetar com aquilo. Mas ok, vão lá, filhosdaputa. Eles foram, e veio o
terceiro guia. Ele fez sinal para que déssemos lugar para sei lá quem passar.
Aí eu me emputeci mesmo! Fui buscar lá na 7ª e 8ª séries do primeiro grau, nos
idos dos anos 90, todo meu conhecimento de inglês acumulado nas doutas aulas de
minha querida professora Marion Paládio (abraço – o da terapia dos 6 abraços –
pra você, teacher!), e disse para o
guia: “Oh, no! It’s the third time”.
Não sei se pelo inglês perfeito, se pela minha cara, o fato é que o cara
entendeu o recado, baixou a bola, e nos deixou ficar. Ênfo!
Nos encaminhamos para a porta da caverna e, como éramos os
primeiros da fila, recebemos uma lamparina. Antes de abrir a porta ele
perguntou se nós (eu e Josi) falávamos inglês. “Fora o the book is on the table?
Não, absolutamente.” Então – preconceito dos preconceitos – duas senhorinhas foram passadas à
nossa frente. E herdaram nossa lamparina!!! Dei um desconto, pois estava na
terra dele, mas eu marquei a cara daquele guia fdp e preconceituoso, e se ele aparecer
por aqui eu me vingarei. E, de mais a mais, o fato de não levarmos a lamparina
foi de grande valia, pois ficamos com as mãos livres para nos apoiarmos nos
corrimãos. Mas voltemos à caverna... Recebemos na cara aquele vento gelado, que
parecia vir do último círculo do inferno de Dante. Só faltou estar escrito
sobre a porta o famoso Lasciate ogni
speranza, voi ch’entrate. Entramos assim mesmo. Lá dentro o negócio é o
seguinte: a caverna tem 42 quilômetros de extensão, sendo que apenas o primeiro
quilômetro é visitável. E se você acha que acabaram as subidas, está muito
enganado. A coisa lá é morro acima, através de escadas estreitas e
escorregadias (ainda bem que estávamos sem a merda da lamparina!), de madeira
ou metal. E é bem cansativo mesmo. Na primeira leva de degraus Josi achou que o
guia não fosse parar nunca mais, e começou com um princípio de crise de asma. A
sorte é que, de tempos em tempos, ele pára para fazer explanações sobre as
formações de gelo, aí dá para descansar um pouco e tomar fôlego para a próxima
subida. Detalhe que o guia falava em inglês e alemão, para que “todos” pudessem
entender. Sinceramente, eu não conseguia saber quando ele falava em inglês e
quando falava em alemão. Pra mim era tudo alemão, tal o sotaque do excomungado.
Daí o leitor faça idéia do quanto entendi das explicações dele. O que me
salvava era o que eu conseguia pescar dos comentários das senhoras que estavam
à minha frente, que falavam devagar. Mas então... Em cada formação de gelo o
guia acendia um pavio que ele levava consigo, que produzia uma luz brilhante
que iluminava as geleiras, dando a elas colorações verde-azuladas muito
maneiras, pena que é proibido tirar fotos dentro da caverna (dessa vez a
máquina do Francisco se comportou bem e não teve nenhuma foto “acidental”).
Pelas senhorinhas da frente eu fiquei sabendo que o guia falava sobre a
formação geológica da caverna, sobre a descoberta e o descobridor (um tal Alexander
von Alguma Coisa, cuja urna contendo suas cinzas pudemos ver no final do trecho
visitável da caverna), sobre a construção da infra-estrutura, e sobre a
quantidade de turistas que passam por ali todos os anos. Enfim, é um passeio
totalmente insólito para os nossos (os meus, pelo menos) padrões brasileiros,
seja pela paisagem alpina, pela subida da montanha ou pela caverna em si. Nós
gostamos muito, e, no mínimo, rende muita história pra contar.
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Já na descida |
Saímos da caverna e começamos a descer a montanha. Pra
baixo todo santo ajuda, e rapidamente chegamos à casinhola do famigerado
teleférico. Esqueci de dizer que nesse ponto há um restaurante com um terraço
sobre o abismo, com uma vista foderástica do lugar. Já era mais de meio-dia,
então resolvemos comer alguma coisa apreciando a paisagem. Ô, vida mais ou
menos, hahahahahahaha! Nossa primeira refeição austríaca foi uma bisteca de
porco com batata assada e molho de maionese com alho, e salada. Como fizemos
para pedir? Simples: pegamos o cardápio e apontamos com o dedo o prato que
queríamos. Na verdade a tarefa foi facilitada, pois havia uma tradução para o
inglês dos ingredientes. A comida nem estava lá essas coisas, mas pelo preço
(coisa de 15 €) e, principalmente, pelo lugar, valeu muito a pena! A barriga
cheia fez com que a idéia de entrarmos novamente naquela miséria de teleférico
nem fosse assim tão ruim. E, na verdade, não foi mesmo, uma vez que o solavanco
no meio do caminho não foi nada comparado com o da subida. Na portaria havia
uma lojinha de souvenirs. Compramos
um cabrito montês de pelúcia: nada melhor para ilustrar esse passeio! Entramos
no Gaspa e programamos o GPS. Próximo destino: Salzburgo.
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Werfen e o vale do Salzach, vistos do mirante do restaurante nas Eisriesenwelt |
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Primeira refeição austríaca. Até que tava gostoso... |
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Josi e o Bodinho |
Viagem curta, sem sobressaltos. Logo estávamos deixando as
malas no hotel All You Need is love (hotel relativamente bem localizado,
legalzinho, considerando que ficamos só uma noite, mas falta um frigobar. O
café-da-manhã é bem bom. 88 € a diária + estacionamento).
Não sei bem como descrever Salzburgo, só sei que, apesar do
pouco tempo em que permanecemos lá, gostamos muito. O turismo da cidade gira em
torno da música, seja por Wolfgang Amadeus Mozart, seu filho mais famoso, seja
por ter servido como locação para o filme-musical The Sound of the Music –
para nós, A Noviça Rebelde. Em cada
esquina você tropeça em referências a esses dois patrimônios de Salzburgo. É
famosa também por suas muitas igrejas, tanto que é chamada de “a Roma
austríaca”, e igreja na Europa é sinônimo de arte e beleza. Pena que só
visitamos uma. Por sua localização privilegiada – pertinho dos Alpes
austríacos, quase na fronteira com a Alemanha, próxima a atrações como as
cavernas de gelo que visitamos, minas de sal (daí o nome Salzburgo), lagos
fantásticos, e de Berchtesgaden
(o Ninho da Águia): a fortaleza nazista construída no alto de uma montanha, e
que abrigava em seu interior, nos salões escavados na própria rocha da
montanha, muitos dos tesouros de Hitler – a cidade serve
como ponto de referência para quem faz turismo bate-e-volta nos lugares citados acima.
Saímos do hotel e nos
informamos sobre a direção do Mirabell
Garten, os Jardins de Mirabell, junto ao Schloss Mirabell, o Palácio Mirabell. Este local cedeu várias
locações à Noviça Rebelde. O lugar é
simplesmente incrível, com várias réplicas de estátuas da antiguidade e
canteiros simétricos. Acho que as fotos abaixo são de mais utilidade que
qualquer tentativa minha de descrição.
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Mirabell Garten, com o Schloss Mirabell à esquerda, as torres e cúpula da Catedral em segundo plano, e o Schloss Hohensalzburg no fundão |
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Josi próxima à fonte do Pégaso |
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A fonte do Pégaso, onde ocorreu uma das cenas mais famosas de A Noviça Rebelde |
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Tivemos que esperar um casal de japas se afastar pra bater essa foto. Vai saber... o cara poderia se ofender... |
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O túnel de plantas, também eternizado em A Noviça Rebelde |
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A fuga de Enéias das ruínas de Tróia, uma das muitas réplicas que adornam os jardins |
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Josi se achando |
Depois de algumas
horas perambulando pelos jardins, atravessamos o rio Salzach e entramos no
centro histórico da cidade. Primeiro fomos até a catedral de Salzburgo. Igreja
de estilo barroco, se destaca na paisagem por conta de suas torres e cúpula
verdes. A fachada, apesar de simples, é imponente e o interior é muito bem
decorado, abrigando o órgão em que Mozart tocava durante as missas. Essa igreja
foi parcialmente destruída durante a Segunda Guerra, quando uma bomba atingiu
sua cúpula principal. Mas os caras fizeram um serviço muito do bem-feito e
restauraram a igreja.
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O rio Salzach |
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A catedral (Dom) vista da Residenzplatz |
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Fachada da catedral vista da Domplatz |
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Vista interior da cúpula do Dom |
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Uma Pietà de bronze no interior da catedral |
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O órgão (instrumento musical, ô pervertido!) de Mozart |
Em frente à catedral,
ou Dom (domo), está a Domplatz (praça
do Domo, oh!), com uma estátua muito bonita em seu centro, acho que
representando a Santíssima Trindade. Do lado esquerdo de quem olha para a
frente do Dom está a Residenzplatz,
com a maior fonte barroca do mundo, tornada famosa na cena de A Noviça Rebelde em que a personagem
Maria desembarca do ônibus cantando I
have confidence in me.
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A maior fonte barroca do mundo (dizem eles, né), na Residenzplatz |
Da Residenzplatz a idéia era irmos até o Schloss Hohensalzburg, uma fortaleza no
alto de um monte (dá para vê-lo nas fotos dos Jardins de Mirabell), de onde se
tem uma vista fantástica de Salzburgo e seus telhados verdes. Este castelo é
gêmeo do Hohenwerfen, em Werfen.
Quando perguntávamos por informações sobre como chegar ao castelo encontramos
uma brasileira acompanhada de duas senhoras e um velhinho português. Eles
estavam indo tomar chocolate quente no café mais antigo de Salzburgo (esqueci o
nome). A brasileira indicou o caminho, mas o portuga disse que, com o tempo
nublado do jeito que estava, não compensava muito. E ainda teríamos que subir o
morro a pé, ou pagar o funicular. Depois de nos despedirmos, olhei para Josi
com um olhar inquisidor, e ela: “Ah, nem vem! Hoje não subo mais porcaria de morro
nenhum. EU NÃO SOU CABRITO, NÃO!” Depois dessa, a questão estava resolvida: não
iríamos ao castelo apreciar a bela vista panorâmica de Salzburgo. Nem liguei,
pois também estava cansado. Fica para a próxima...
Já que não íamos ao
castelo, bora procurar a casa de Mozart. E lá fomos nós rodando pelas ruazinhas
charmosas do centro de Salzburgo... Nesse caminhar pudemos perceber a
onipresença de Mozart na cidade: uns quatro museus dedicados ao músico, praças,
estátuas, lojas de instrumentos musicais, e uma infinidade de souvenirs
alusivos a ele. Eu tinha em mente comprar um violão em Salzburgo, só pra tirar
onda dizendo que era da terra de Mozart, mas depois de entrar em umas três
lojas de instrumentos musicais eu desisti: com o preço pago em um violão eu
compraria aqui no Brasil os instrumentos de uma banda inteira, incluído a
aparelhagem de som. Exagero a parte, a imundiça do violão era caro pra caralho.
Então comprei uma caneca para cerveja, de vidro com o brasão da Áustria em
metal, e Josi quis porque quis comprar uma bolota de chocolate embrulhado num
papel com a cara de Mozart. O pessoal malicioso da cidade apelidou o chocolate
com o sugestivo nome de “As Bolas de Mozart”. Insisti com Josi pra que ela
comprasse duas bolas.
– Por quê? – ela perguntou.
– Se você levar só uma, vai deixar o coitado roncolho. Eu
não quero ser acusado de aleijar o símbolo da cidade.
Mas ela, sádica, só levou uma das bolas...
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Vários chocolates com a cara do músico, entre eles as famigeradas "Bolas de Mozart" |
Nisso passamos em frente a uma casa amarela. Estávamos
procurando a casa onde Mozart nasceu, e alguma coisa me dizia (talvez
lembranças de fotos vistas durante o processo de planejamento da viagem) que
era aquela casa amarela. Perguntei pra um simpático feirante (totalmente
diferente dos feirantes estúpidos da Piazza
dell’Erbe, em Verona), e ele confirmou minhas suspeitas, mas disse que
aquela era a parte de trás da casa. Entramos numa galeria que desembocava em
outra rua, e lá estava a frente da Mozarts
Geburtshaus! Quer saber de uma coisa, prezado leitor? Bela merda! Tiramos a
foto protocolar e rumamos para a Getreidegasse.
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Os fundos da casa onde nasceu Mozart |
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A frente da tal casa... Bela merda! |
A Getreidegasse é a principal rua do
centro histórico de Salzburgo. Se constituiu como a rua do comércio nos
primórdios da cidade, e o que a torna interessante até hoje é justamente uma
característica preservada daquele tempo. Conta-se que, naquela época, a imensa
maioria da população era iletrada, e os comerciantes ostentavam sobre as portas
de seus comércios placas com imagens esculpidas em madeira e/ou metal indicando
o ofício que exerciam. Assim, sobre a porta de um sapateiro havia a imagem de
um sapato, sobre a de um ferreiro a imagem de uma bigorna, e assim por diante.
Achei muito interessante o sistema, mas me peguei rindo sozinho imaginando como
seria a placa do puteiro. Dias depois, em Pompéia, nós ficamos sabendo de uma
maneira muito peculiar de indicar o caminho da putaria. Mas tudo a seu tempo...
Enfim, hoje, apesar de só haver lojas de grifes famosas, o sistema de placas é
mantido e faz com que a rua tenha a fama que tem.
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Josi na Getreidegasse |
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Como seria a placa do puteiro?!?! |
Nisso já devia ser
umas 17:00. “Ok, e agora?” “Porra! Agora vamos caçar algum restaurante para
comermos uma bela comida típica austríaca, acompanhada de uma deliciosa
cerveja, que nós também somos filhos de Deus e estamos sem comer desde a hora
do almoço.” Nem procuramos muito e achamos um restaurante que nos pareceu bem
“austríaco”. Não me lembro o nome nem a rua, mas era no centro. Entramos,
sentamos, e logo a garçonete veio nos atender. Olhamos aquele cardápio
incompreensível, e eu disse a ela que queríamos comidas típicas daquela região
da Áustria. Ela fez uma cara-de-bunda-mal-lavada, apontou pro cardápio e disse
que todas as comidas eram típicas. Ai, ai... Começamos bem...! Consegui pegar
no ar o palavrão que já ia me escapando da boca, mantive a face serena como uma
paisagem austríaca naquele fim de verão e, sorrindo, perguntei a ela o que ela
nos indicava. Ela, com a mesma cara, falou qualquer coisa em alemão
(incompreensível, pois) enquanto apontava no cardápio. Aprovamos, meio que sem
saber. O meu prato até hoje eu não sei o nome, e acho que vou morrer sem saber.
O de Josi eu lembro que era um goulash, coisa
que não fazíamos a menor idéia do que era, mas cujo nome eu já havia escutado.
Logicamente pedimos cerveja: eu uma Edelweiss
de trigo; Josi uma Stern pilsner muito
boa. Junto com as cervejas a garçonete trouxe uma cesta com pretzels, enquanto
os pratos principais não vinham. Posso dizer que as cervejas foram a salvação
da lavoura, porque a comida... Vai tomar no cu!!! Que miséria de troço horroroso!
O tal goulash até tinha uma aparência
boa. É uma sopa de carne, com caldo bem grosso, mas estava excessivamente
temperada com hortelã, o que a tornava extremamente enjoativa, e ainda tinha
uma bolota de massa de pão molhado, totalmente sem gosto. Josi jura que essa
bolota era um pão deglutido e depois ruminado por uma vaca. No meu prato havia
um pedaço de carne que, se eu não estivesse vendo, apostaria que era um pedaço
de “água texturizada” (inodora, insípida e incolor), e um troço frito que
também não tinha gosto de nada, estava ensopado de gordura, e que eu não
imagino o que poderia ser. Ou seja, comer até comemos, mais eu que Josi, mas
sentir gosto, que é bom... nichts!
Pra completar, pedimos para a garçonete tirar uma foto nossa. Eu juro que
pensei que ela fosse me bater nessa hora. Garanto que se a máquina fosse de
filme a foto teria queimado, tal a má-vontade da vaca (a vaca aqui é a
garçonete, e não a que ruminou a bolota de pão). Pagamos (ainda deixei gorjeta,
acredita!?) e fomos embora.
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Pretzel! |
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Danke, Salzburg! |
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Acho que era carne de porco... Sei que estava uma porcaria... Entendeu? Porco... Porcaria... Entendeu? Deixa pra lá... |
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O goulash de Josi, e o pão ruminado |
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A foto que a vaca bateu. Até que ficou boa. |
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Sensações distintas: 10 para a cerveja... |
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... 0 para a comida |
Dali fomos direto pro
hotel, pois estávamos mortos de cansaço. Nem rolou de sairmos depois para
conhecermos a cidade à noite, como pretendíamos. Batemos na cama e só acordamos
no outro dia.
Salzburgo é uma cidade muito interessante, e merece bem
mais que as quatro horas que dedicamos efetivamente a ela. Espero voltar um dia
para explorá-la melhor.